quarta-feira, 6 de abril de 2011

Rainha Ísis


Mãe e rainha

O túmulo do faraó Tutmósis III no Vale dos Reis é de difícil acesso; primeiro temos de subir uma
escada de metal instalada pelo Serviço das Antiguidades e depois introduzirmo-nos num estreito
túnel que penetra pela rocha adentro. Os claustrófobos vêem-se obrigados a desistir; mas o esforço é
recompensado porque, no fim da descida, descobrimos duas salas: uma de tecto baixo com paredes
decoradas com figuras de divindades, e outra mais vasta, a Câmara da Ressurreição. Nas suas
paredes, os textos e as cenas do Amduat, ”O Livro da Câmara Oculta”, revela as etapas da
ressurreição do Sol nos espaços nocturnos e a transmutação da alma real no Além.
Num dos pilares, uma cena surpreendente: uma deusa saída de uma árvore amamenta Tutmósis III.
Amamentado deste modo para a eternidade, o faraó é regenerado para sempre. O texto hieroglífico
indica-nos a identidade desta deusa de inexaurível generosidade: ísis. Mas ísis é também o nome da
mãe terrena deste rei, uma mãe cujo rosto foi preservado numa estátua descoberta no famoso
esconderijo do templo de Carnaque’: de faces cheias, tranquila e elegante, a mãe real ísis exibe
longas tranças e um vestido de alças. Está sentada, com a mão direita sobre a coxa e tem na mão esquerda um ceptro floral. Apenas sabemos que o filho a venerava e que tinha o nome da mais célebre das deusas do Antigo Egipto.

A paixão e a demanda de ísis

ísis, a Grande, reinara nas Duas Terras, o Alto e o Baixo Egipto, muito antes do nascimento das
dinastias. Em companhia do seu esposo Osíris, governava com sabedoria e conhecia uma felicidade
perfeita. Até que Set, irmão de Osíris, o convidou para um banquete. Tratava-se de uma cilada, pois
Set estava decidido a assassinar o rei para ocupar o seu lugar. Utilizando uma técnica original, o
assassino pediu ao irmão que se deitasse num caixão para ver se era do seu tamanho. Imprudente,
Osíris aceitou. Set e os seus acólitos pregaram a tampa e lançaram o sarcófago ao Nilo.
Os pormenores desta tragédia são conhecidos graças a um texto de Plutarco, iniciado nos mistérios
de ísis e Osíris; as fontes mais antigas mencionam apenas a morte trágica de Osíris, cujas desgraças
prosseguiram, pois o seu cadáver foi retalhado. Set convenceu-se de que aniquilara o seu irmão para
sempre.
ísis, a viúva, recusou a morte.
Mas o que podia ela fazer, além de chorar o marido martirizado? Um projecto insano nasceu no seu
coração: encontrar todos os pedaços do cadáver, reconstituí-lo e, graças à magia sagrada cujas
fórmulas conhecia, restituir-lhe a vida.
Assim começou a busca de ísis, paciente e obstinada. E quase conseguiu! Todas as partes do corpo
foram reunidas menos uma: o sexo de Osíris, engolido por um peixe. Desta vez, ísis tinha de
desistir.
Mas não desistiu: convocou a irmã Néftis, cujo nome significa ”a senhora do templo”, e organizou
uma vigília fúnebre. Eu sou a tua irmã bem amada, disse ela ao reconstituído cadáver de Osíris,
não te afastes de mim, clamo por ti! Não ouves a minha voz? Venho ao teu encontro, e nada me
separará! Durante horas, ísis e Néftis, de corpo puro, inteiramente depiladas, com perucas
encaracoladas, a boca
purificada com natrão, pronunciaram encantamentos numa câmara
funerária obscura e perfumada com incenso, ísis invocou todos os templos e todas as
cidades do país para que se juntassem à sua dor e fizessem a alma de Osíris regressar do
Além. A viúva tomou o cadáver nos braços, o seu coração bateu de amor por ele e
murmurou-lhe ao ouvido: Tu, que amas a vida, não caminhes nas trevas.
O cadáver, desgraçadamente, permaneceu inerte.
ísis transformou-se então num milhafre fêmea, bateu as asas para restituir o sopro da vida
ao defunto e pousou no sítio do desaparecido sexo de Osíris, que fez reaparecer por magia.
Desempenhei o papel de homem, afirma ela, embora seja mulher. As portas da morte
abriram-se diante de ísis, que conheceu o segredo fundamental, a ressurreição, agindo como
nenhuma deusa o fizera antes: ela, a quem chamavam ”a Venerável, nascida da Luz, saída
da pupila de Hator (o princípio criador)”, conseguiu fazer regressar aquele que parecia ter
partido para sempre e ser fecundada por ele.
Assim foi concebido o seu filho Hórus, nascido da impossível união da vida e da morte.
Um acontecimento importante, porque este Hórus, filho do mistério supremo, foi chamado
a ocupar o trono do pai, doravante monarca do Além e do mundo subterrâneo.
Set não se deu por vencido. Só havia uma solução: matar Hórus. Ciente do perigo, ísis
guardou o filho entre os papiros do Delta. Não faltaram perigos - a enfermidade, as
serpentes, os escorpiões, o assassino que ronda... - mas ísis, a Maga, conseguiu preservar o
seu filho Hórus de todas as desgraças.
Set não admitiu o seu fracasso e contestou a legitimidade de Hórus, que era no entanto
sobrenatural, convocando então o tribunal das divindades a fim de conseguir a condenação
do herdeiro de Osíris. Como o tribunal se reuniu numa ilha, Set usou o seu engenho para
que uma decisão iníqua fosse adoptada: o barqueiro devia impedir as mulheres de entrarem
na sua barcaça, e assim ísis não poderia defender a sua causa.
Mas iria a viúva desistir ao cabo de tantas provações? Por conseguinte, convenceu o
barqueiro oferecendo-lhe um anel de ouro; apresentou-se diante do tribunal, venceu a má fé
e os argumentos especiosos e fez aclamar Hórus como faraó legítimo.
Esposa perfeita, mãe exemplar, ísis tornou-se também no garante da transmissão do poder régio - aliás, o seu nome significa ”o trono”. Percebe-se que,
segundo o pensamento simbólico egípcio, é o trono, ou, por outras palavras, a Grande Mãe,
a rainha ísis, que gera o faraó.

ísis, maga e sábia

ísis é a mulher-serpente que se transforma em uraeus, a naja fêmea que se ergue na fronte
do rei para destruir os inimigos da Luz; uma desastrosa evolução e o desconhecimento do
símbolo primitivo tornaram a boa deusa-serpente no réptil tentador do Génesis que causa a
perdição do primeiro casal, ísis e Osíris, pelo contrário, afirmam a vivência de um
conhecimento luminoso graças ao amor e ao que está para além da morte.
Sob a forma da estrela Sótis, ísis anuncia e desencadeia as cheias do Nilo; debruçada em
choro sobre o corpo de Osíris, faz subir as águas benfazejas que depositam a vaza nas
margens e asseguram a prosperidade do país - aliás, a cabeleira de ísis não forma os tufos
de papiros emergindo do rio?
Esta magia cósmica de ísis nasce da sua capacidade para conhecer os mistérios do universo
e, entre eles, o nome secreto de Ra, encarnação da Luz divina. É certo que o coração de ísis
era mais hábil do que o dos bem-aventurados e que era conhecida dos céus e da Terra,
ignorando apenas o famoso nome secreto de Ra, que este não confiara a ninguém, nem
mesmo às outras divindades, ísis lançou-se ao assalto do bastião: apanhou um escarro de
Ra, amassou-o com terra e formou uma serpente. Escondeu o réptil sagrado num arbusto
que ficava no caminho do deus e, quando este passou, o réptil mordeu-o. O coração de Ra
ardeu e, depois de tremer, os seus membros arrefeceram. Embora fora do alcance da morte,
o veneno causou-lhe grande sofrimento e ninguém conseguiu curá-lo.
ísis decidiu intervir e restituir-lhe a saúde, contanto que Ra lhe confiasse o seu nome
secreto. O divino Sol tentou enganá-la confiando-lhe vários nomes mas nunca mencionando o nome correcto. Intuitiva, ísis não se
deixou enganar e Ra, exausto, foi obrigado a revelar-lhe o seu verdadeiro nome. ísis curouo
e guardou o segredo
para sempre.

Os lugares de ísis

Cada uma das partes do corpo de Osíris deu origem a uma província, e assim todo o Egipto
foi assimilado ao seu ressuscitado esposo, animando a totalidade do país. ísis sentia-se,
pois, em toda a parte como na sua própria casa.
No entanto, quando percorremos o Egipto, descobrimos três lugares particularmente ligados
a ísis, de Norte para Sul: Behbeit el-Hagar, Dendera e Filas.
Behbeit el-Hagar, no Delta, é um local desconhecido dos turistas. Uma vez saídos de um
dédalo de ruelas, sofremos uma viva decepção quando chegamos lá: o que resta do grande
templo de ísis, além de um monte de enormes blocos de granito ornados de cenas rituais?
ísis foi venerada aqui, mas o seu templo foi destruído e utilizado como pedreira, sem
nenhum respeito pelo seu carácter sagrado. É impossível deixar de pensar na época em que
ali se erguia um santuário colossal dedicado à senhora dos céus.
O nascimento de ísis é situado simbolicamente em Dendera, no Alto Egipto. O santuário da
deusa Hator está parcialmente conservado, mas o templo coberto e o mammisi (templo do
nascimento de Hórus) existem ainda, bem como um pequeno santuário onde, segundo os
textos, a bela ísis veio ao mundo com uma pele rosada e uma cabeleira negra. Foi a deusa
dos céus que lhe deu vida, enquanto Amon, o princípio oculto, e Chu, o ar luminoso, lhe
concediam o sopro vital.
Na fronteira meridional do Antigo Egipto reina Filas, a ilha-templo de ísis; aqui viveu a
derradeira comunidade iniciática egípcia, aniquilada por cristãos fanáticos. Ameaçados de
destruição pela inundação do ”alto dique”, a grande barragem de Assuão, os templos de
Filas foram desmontados pedra por pedra e reconstruídos numa pequena ilha vizinha. A
”pérola do Egipto” foi assim salva das águas. A visão deste lugar constitui uma experiência
inesquecível. De acordo com a vontade dos egípcios, os ritos continuam a ser celebrados graças aos hieróglifos
gravados na pedra; a presença de ísis é inteiramente palpável e ouvem-se as palavras pronunciadas
nas cerimónias pelas sacerdotisas da grande deusa: Ísis, criadora do universo, soberana do céu e
das estrelas, senhora da vida, regente das divindades, maga de excelentes conselhos, Sol feminino
que tudo marca com o seu selo-, os homens vivem às tuas ordens, sem o teu acordo nada se faz.

A eternidade de ísis

Vitoriosa sobre a morte, ísis sobreviveu à extinção da civilização egípcia, desempenhando um
importante papel no mundo helenístico até ao século V d.C. O seu culto espalhou-se por todos os
países da bacia mediterrânica e mesmo mais além.
Tornou-se na protectora de numerosas confrarias iniciáticas mais ou menos hostis ao cristianismo,
que a consideravam o símbolo da omnisciência, detentora do segredo da vida e da morte e capaz de
assegurar a salvação dos seus fiéis’.
Mas ísis não exigia apenas uma simples devoção; para a conhecerem, os seus adeptos deviam
sujeitar-se a uma ascese, não se contentando com a crença mas subindo na escala do conhecimento
e transpondo os diversos graus dos mistérios.
Sendo o passado, o presente e o futuro, a mãe celeste de infinito amor, ísis foi durante muito tempo
uma temível concorrente do cristianismo. Mas nem mesmo o dogma triunfante conseguiu aniquilar
a antiga deusa; no hermetismo, tão presente na Idade Média, ela continuou a ser ”a pupila do olho
do mundo”, o olhar sem o qual a verdadeira realidade da vida não poderia ser apercebida. Aliás, não
se dissimulou ísis sob as vestes da Virgem Maria, tomando o nome de ”Nossa Senhora” à qual
tantas catedrais e igrejas foram dedicadas?

Ísis, modelo da mulher egípcia

Uma civilização molda-se de acordo com um mito ou conjunto de mitos. Todavia, no
mundo judaico-cristão, Eva é pelo menos suspeita, e daí o inegável e dramático défice
espiritual das mulheres modernas que se regem por este tipo de crença. Isto não acontecia
no universo egípcio, pois a mulher não era fonte de nenhum mal ou deturpação do
conhecimento. Muito pelo contrário: era ela que, através da grandiosa figura de ísis,
enfrentava as piores provações, tendo descoberto o segredo da ressurreição.
Modelo das rainhas, ísis foi também o modelo das esposas, das mães e das mulheres mais
humildes. Aliava à fidelidade uma indestrutível coragem perante a adversidade, uma
intuição fora do comum e uma capacidade para penetrar nos mistérios. Por conseguinte, a
sua busca servia de exemplo a todas quantas procuravam viver a eternidade.

Retirado do livro: As Egípcias- Christian Jacq

Achei muito interssante esse capítulo que fala sobre Ísis e fala de uma maneira tão clara sobre seus mistérios e seus diversos aspectos que resolvi compartilhar com todos aqui no blog. Pois esse mês de Abril é o mês que consagramos a nossa madrinha, pois completamos mais uma Roda de grupo. Que inicialmente era apenas um grupo de estudos e agora se tornou um coven.
Que Ísis continue nos abençoando com sua sabedoria e nos guiando com suas asas em seus mistérios.

Benção a todos da Grande Rainha!

Senebty!

)OGawen AusarO|--